Ao receber as cinzas na cabeça, no primeiro dia da Quaresma, o católico reconhece que é pecador e que a sua vida é finita na dimensão humana. A promessa de uma vida infinita é oferecida por Jesus Cristo, Filho de Deus, que comprova a sua autoridade ao ressuscitar dos mortos; embora, a priori, isso possa ir de encontro à razão humana. Contudo, é plenamente viável por meio da Fé em Cristo - Vivo e Ressuscitado - desde que haja reflexões lúcidas e profundas nas Escrituras Sagradas, na Sagrada Tradição e no Magistério da Igreja Católica para que os conflitos com o pensamento humano mais exigente sejam efetivamente superados.
O desdobramento desse processo (Quaresma/Ressurreição) passa por caminhos que, em nossos dias, estão sendo evitados por pessoas do clero, religiosos e missionários católicos, tais como pecado, inferno, purgatório e Satanás. O mais preocupante são os desvios no tocante ao Cristo Redentor - Vivo e Ressuscitado de corpo, alma e espírito, tal como os evangelistas prescrevem. Os pecados cada vez se tornam de menor gravidade; o inferno é desconversado e muito mais ainda o purgatório, que por esse enfoque devem estar vazios; Satanás é um personagem da linguagem figurada, quase mitológico. Esta é, lamentavelmente, a visão do "católico moderno", que apesar de ressaltar o que as pessoas gostam de ouvir - Deus é misericordioso, Deus é amor, Deus é bom; que não deixam de ser verdades, mas não é toda a Verdade. Tais afirmações individualizadas podem se tornar pretextos para o relativismo e para a indiferença. Tanto que nas missas em sufrágio de uma alma, por vezes, o celebrante afirma precipitadamente que a alma do morto já está no céu. Já participei de missa de sétimo dia em que o celebrante pediu a intercessão do morto para as orações - isso é incompreensível pela Doutrina da Igreja Católica. A Salvação, de qualquer forma, é graça, não é mérito nosso; daí por que podemos ou não aceitá-la, acolhê-la. A verdade completa sobre o Deus da Bíblia, o Deus de Jesus Cristo, evidencia claramente que não é um Deus que aceita tudo. É um Deus que luta contra o mau e por isso deve também punir como juiz para fazer justiça. "O aspecto do juízo, da punição, da cólera de Deus não deve desaparecer da nossa fé", conforme afirmou o então cardeal Ratzinger, que também exorta que hoje deve ser anunciado o único Deus, o Deus que fez o céu, a terra e o mar, e reina sobre a História. Hoje, também, tem que haver arrependimento para que exista salvação.
A realidade é que no período Quaresma/Ressurreição as palavras-chave são conversão e penitência. A conversão é um processo contínuo que não deve ser interrompido nesta vida. Dia após dia temos de lutar contra o mal que existe em nós mesmo, tanto quanto o que existe em volta de nós. Também temos de lutar contra os hábitos que escravizam o cristão, tais como os sete pecados capitais, preconceitos para com o próximo (simpatias e antipatias), a busca desordenada do poder e do dinheiro, a autocomplacência, o amesquinhamento e a resignação, a agressividade e a prepotência. Dia após dia temos de descer do trono e buscar aprender o caminho de Jesus, despojando-nos de nossas seguranças, não decidir sozinho o que significa ser cristão, mas aprender da Igreja e deixar-nos conduzir por ela. Dia após dia temos que aprender e reaprender a suportar na caridade os outros como eles nos suportam.
Enfim, o que realmente evidencia viver os preceitos da Quaresma a fim de colher frutos inefáveis de alegria da Ressurreição de Cristo no Domingo de Páscoa? A resposta é complexa, mas uma coisa é certa: Os que tiverem confiança no Amor de Deus e a coragem de não desistir da luta em dizer "não" ao mal para servir ao bem derivado dos Evangelhos, por certo, experimentarão uma grande alegria, porque se tornarão "novas criaturas", libertas de orgulho, egoísmo, desamor e prontas para amar e perdoar o próximo, tanto quanto a si mesmas. Além disso, se descobrirem o poder infalível do Amor que procede de Deus para vencer todo mal que está no pecado e na tentação do Maligno, ressurgirão renovados com o Cristo Ressuscitado no Domingo de Páscoa.
João Frutuoso Dantas, jfdantas@ufpa.br
fonte: Jornal Voz de Nazaré
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